Consumo

Problemas em abastecimento prejudicam moradores da Ilha da Torotama

Além da falta de água potável, uma medida de regularização com termo de admissão de dívidas confunde a população

Jô Folha - DP - Água amarelada, como na casa de Angela Gonçalves, é comum na localidade

Por Victoria Fonseca
[email protected]
(Estagiária sob supervisão de Vinicius Peraça)


Há cerca de dois meses, uma comunidade isolada, composta majoritariamente por pessoas de baixa renda que sobrevivem da pesca, está sem acesso ao abastecimento adequado de água potável. Essa é a realidade na Ilha da Torotama, no Povo Novo. Moradores do local, situado a 50 quilômetros do centro de Rio Grande, enfrentam dificuldades inclusive para adquirir água mineral, tanto pela distância de estabelecimentos comerciais quanto pela falta de recursos para a compra.

Abrir as torneiras de casa e se deparar com uma água de coloração preta, totalmente imprópria para consumo, virou rotina para os cerca de 1,4 mil moradores da Ilha. Se hidratar, lavar roupas, louça, assim como tomar banho, são atividades fora do alcance na maior parte do dia, devido à contaminação. Além disso, tão raro quanto o fornecimento de água potável, são momentos em que não há falta do abastecimento.

Residente na rua Wilson Matos Branco, Angela Gonçalves, 63 anos, utilizava um motor para puxar água até a caixa instalada em cima da casa. No entanto, devido a grande quantidade de resíduos, o impulsor queimou. Além do prejuízo, a falta de água também impacta na renda da família de quatro pessoas, pois impossibilita a limpeza de siris, atividade exercida pela idosa.

Para beber, a alternativa adotada é a de esperar os resíduos baixarem até o fundo dos recipientes para depois separar a água e ferver. Mesmo com os procedimentos, Angela teme pela sua saúde e a dos familiares. “Tava bebendo água amarela, mas não dá, uma hora dessas da doença no estômago”, diz ao contar que finalmente conseguiu ir até a Vila da Quinta, na quinta-feira (23), para comprar água mineral.

Problema histórico
Além da atual precariedade da qualidade da água, conforme os moradores, a confusão em relação ao abastecimento na ilha é algo histórico. Moradora durante a vida toda no local, Angela diz que há muitas décadas a população puxava água de um poço localizado na entrada da comunidade. Há cerca de 25 anos foi instalado encanamento em toda Torotama, entretanto, em razão da escassez de recursos, muitas pessoas ficaram inadimplentes com o pagamento das contas.

Mesmo assim, o fornecimento nunca foi cortado e continuou sendo provido normalmente até o final do ano passado. “Quem não tinha como pagar, não pagava e aquelas dívidas foram ficando, a Corsan veio e tirou todos os relógios e o pessoal continuou usando a água e eles nunca mais tiveram aqui. Isso há uns 20 anos”, explica a moradora Denise Miranda, residente no final da mesma rua.

Quadro que mudou quando a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) iniciou um programa de regularização e a instituição de nova linha de abastecimento. Desde então, a população começou a ser convocada pela empresa a reuniões, na escola local, para a assinatura de termos de reconhecimento de dívidas, a serem quitadas em parcelas junto às contas de água. Na mesma época surgiram também os problemas de abastecimento.

Em razão da falta de informação, muitos moradores estão confusos e não compreendem o motivo de terem que aderir a quitação de dívidas. Além de temerem ficar sem água em razão da falta de recursos para o pagamento das contas. “Eles estão apertando todo mundo, quem não assinar o contrato não tem água”, diz Angela.

Uma vizinha, que não quis ser identificada, questiona o método de cobrança. “A Corsan veio e disse que faria um acordo com os moradores para que eles fizessem uma confissão de dívida de um ano de consumo, mas com média em que se nunca teve medidor aqui?”.

Denise conta que muitas pessoas não sabem nem ao certo se a responsabilidade pelo abastecimento é da Companhia ou de outra entidade, em razão da maior parte de suas vidas nunca terem tido que se preocupar com a questão. “As pessoas mais velhas com medo de ficar sem água foram lá e assinaram. Eu vou esperar porque a gente tem que saber o que estamos fazendo”, diz.

A auxiliar de educação explica ainda que o pedido não é para que o tratamento de água seja realizado de graça, mas pondera que da forma que a regularização está sendo efetuada não é adequada para uma localidade de moradores, que em sua maioria estão em situação de vulnerabilidade social. “Tem que fazer a coisa direito. Tem que entender que é uma comunidade carente, pobre, a maioria dela”.

Prejuízo
A estiagem, somada à escassez de água, tem prejudicado intensamente os pescadores. Com a impossibilidade de realizar o trabalho de limpeza do camarão e outros pescados, a renda está sendo afetada, questão que dificulta ainda mais as condições de pagamento das futuras contas de água e as parcelas de dívida. “A comunidade não pode ser responsável por uma coisa mal feita 25 anos atrás”, conclui Denise.

O termo
Conforme a cópia de um termo assinado por um dos moradores e enviado à reportagem, ao assinar o documento emitido pela Corsan, o usuário reconhece ter o débito de R$ 1.618,87 referente ao uso de água e esgoto, além de encargos legais. Ainda de acordo com o texto, o valor, que deverá ser pago em parcelas, é decorrente de débitos anteriores não quitados pelo usuário.

O que diz a Corsan
De acordo com a Companhia, há mais de 20 anos a inadimplência é alta na Ilha da Torotama, atingindo cerca de 90%. Para solucionar o problema, a Companhia estabeleceu um programa de regularização, em que fazem parte ações operacionais e comerciais. No âmbito operacional, foram assentados cerca de cinco quilômetros de redes novas de água, pois as antigas passavam por dentro de propriedades e na orla da praia, dificultando a manutenção e a regularização comercial das ligações.

Em relação às medidas comerciais de atualização cadastral, visando a renegociação das dívidas, teriam sido realizadas audiências públicas na Associação de Moradores, para que a população tivesse conhecimento tanto do programa de renegociação das dívidas, como das ações operacionais.

A companhia afirma ainda que desde o início de janeiro, é mantido atendimento presencial durante oito horas por dia na localidade, destinado aos processos de renegociação das dívidas, cujo volume de adesões tem tido resultado bastante positivo.

Quanto aos problemas relatados relacionados à qualidade da água, a Companhia alega que são pontuais devido à troca das redes de água e que equipes estariam trabalhando no local para atender essas solicitações.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Reforma e ampliação da ESF João Landell é inaugurada Anterior

Reforma e ampliação da ESF João Landell é inaugurada

Turuçu emite alerta após mortes de cães Próximo

Turuçu emite alerta após mortes de cães

Deixe seu comentário